segunda-feira, 9 de junho de 2008

Pomares caseiros

Pomares caseiros

Autor: José Carlos Vaz


A maioria dos imóveis residenciais urbanos possui um mínimo de área onde se poderia plantar pequenos pomares. Estas áreas ficam subutilizadas do ponto de vista da nutrição da população, e muitas vezes recebem uma impermeabilização pouco necessária. Fornecendo-se mudas de árvores frutíferas é possível estimular os cidadãos a produzir, em suas próprias casas, frutas para consumo de sua família.

PROGRAMA DE POMARES CASEIROS


Um programa de pomares caseiros pode ser um instrumento auxiliar de políticas de abastecimento que privilegiem o combate à desnutrição ou busquem reduzir os custos de alimentação da população. Deve-se manter claro que este programa é apenas um dos instrumentos da política de abastecimento, que não deve se resumir a ele, incorporando outras ações no campo da auto-produção (como hortas comunitárias) e da comercialização (como os sacolões volantes e a venda direta pelo produtor).

O programa pode distribuir mudas de uma ou mais espécies. A distribuição de mudas de uma única espécie simplifica os procedimentos, mas, por outro lado, pode ter sua abrangência e receptividade reduzidas. A distribuição de mudas de várias espécies tende a ser mais trabalhosa, mas permite uma ação mais abrangente. Pode ser realizada simultaneamente: a prefeitura oferece várias espécies de mudas e os interessados podem escolher aquelas que desejem. A distribuição pode ser também por etapas: a prefeitura trabalha com uma espécie por vez, trocando-a por outra periodicamente. Essa alternância pode ser complementada pela distribuição por regiões do município: é estabelecida uma seqüência de regiões da cidade a serem atendidas; ao se atender a última, reinicia-se a distribuição com uma nova espécie.

IMPLANTANDO

A elaboração do projeto deve ficar a cargo de uma equipe que contemple vários campos de atuação da prefeitura, uma vez que o programa normalmente exige integração dos setores responsáveis por abastecimento, arborização pública, parques e jardins, meio ambiente, educação ambiental e saúde.

A implantação de um programa de pomares caseiros tem como pontos centrais a escolha das áreas do município que serão beneficiadas e a seleção das espécies cujas mudas serão distribuídas.

A escolha das áreas do município a serem cobertas pelo programa de pomares caseiros deve ter como critérios mais importantes:

Perfil econômico e nutricional da população: vale a pena priorizar áreas mais carentes, procurando reforçar aspectos nutricionais que as carências materiais e os hábitos alimentares provoquem.

Custos de distribuição: dependendo do sistema de distribuição adotado, quanto maior a área coberta pelo programa, mais caro ser distribuir as mudas. Soluções criativas podem reduzir os custos de distribuição de forma significativa, através de parcerias com entidades da sociedade e empresas, além de parcerias internas à prefeitura.

Padrão de ocupação: áreas caracterizadas por predominância de lotes muito pequenos e completamente edificados tendem a ser menos interessantes para o programa, já que grande parte das famílias não terá como plantar árvores em seus lotes.

É aconselhável que a escolha das espécies leve em conta, além dos custos: os hábitos alimentares da região, a disponibilidade e capacidade de produção das mudas, a resistência e a facilidade de cultivo das árvores. A seleção pode considerar, também, a possibilidade de reduzir carências nutricionais geradas pelos hábitos alimentares. É ainda possível distribuir mudas de espécies diferentes (e, portanto, com características nutricionais também diferenciadas) de acordo com as necessidades das famílias ou aquelas preponderantes em uma determinada região. Esta possibilidade, no entanto, é bem mais trabalhosa.

É recomendável, durante a elaboração do projeto, analisar a possibilidade de estender o programa a entidades, especialmente escolas, igrejas e centros comunitários que atendam ou recebam a freqüência de crianças e população de baixa renda, desde que haja garantias de conservação das plantas. De qualquer forma, é desejável contar com a sua colaboração em pelo menos dois outros aspectos: essas entidades podem auxiliar a divulgar o programa e podem ser utilizadas como pontos de distribuição das mudas e orientação da população.

A implantação de um programa de pomares caseiros pode se realizar, também, junto com programas de educação ambiental, envolvendo crianças na conservação e manejo das mudas. Nesses casos, as escolas têm importância fundamental: os alunos podem receber na própria escola as mudas e o treinamento necessário para manejá-las.

O cadastramento de imóveis que receberam as mudas é útil para acompanhar o progresso do projeto, para fornecer acompanhamento no desenvolvimento das árvores e para permitir a avaliação de seu impacto. Apesar de ser uma atividade que exige algum esforço, tende a compensar, desde que se adotem procedimentos simples, de preferência informatizados, para cadastramento e acompanhamento.

O incentivo à formação de pomares caseiros é uma iniciativa de médio e longo prazo. Deve-se, portanto, garantir que as descontinuidades administrativas não prejudiquem o atendimento aos cidadãos envolvidos no programa.

Na avaliação do programa, deve-se considerar o longo prazo: não se pode exigir resultados imediatos. Para realizar avaliações nos meses iniciais do projeto, um dos critérios a ser utilizado pode ser a comparação entre o número de mudas distribuídas e o de mudas ainda em desenvolvimento, que mede o grau de interesse da população beneficiada.

RECURSOS

As mudas, se não forem cultivadas pela própria prefeitura, podem ser compradas, doadas por particulares, órgãos estaduais ou federais (jardins botânicos, hortos, etc.). A prefeitura pode desenvolver projetos de capacitação de pequenos agricultores locais para a produção de mudas para distribuição, desde que haja escala para tanto (o que significa que o projeto deve se estender por um período relativamente longo).

Os custos de obtenção de mudas (de compra ou de cultivo) variam de acordo com a espécie e a região, e devem ser um critério na hora de definir quais espécies serão distribuídas.

Na análise de custos do projeto, devem ser considerados também os relativos a outros recursos necessários, como materiais, equipamentos, veículos, pessoal, divulgação, etc.

Dependendo das condições, a prefeitura pode buscar patrocínio para a iniciativa junto a empresas locais. Esta alternativa, no entanto, não deve ser superestimada, uma vez que exigirá esforço para se tornar um projeto com retorno publicitário atraente para as empresas.

EXPERIÊNCIA

Em Belo Horizonte-MG (2.107 mil hab.), a prefeitura vem desenvolvendo, desde maio de 1994, o programa Pró-Pomar, que fornece mudas de árvores frutíferas para plantio em residências, escolas e espaços comunitários. O programa tem como objetivo estimular a formação de pomares caseiros, contribuindo para a complementação alimentar de famílias carentes e o aumento da cobertura vegetal da cidade.

O programa distribui mudas de acerola, laranja, limão, mexerica (compradas de produtores regionais), araçá , pitanga, cerejinha, goiaba (fornecidas pela Fundação Zoobotânica) e mamão (cultivadas pela prefeitura). O custo das mudas distribuídas, nos primeiros doze meses do programa, foi de menos de US$ 21 mil. Como critérios para escolha das espécies a serem distribuídas, levou-se em conta o porte (dimensões da copa, altura e largura), as preferências da população, as características nutricionais e de produção das árvores.

Os cidadãos que recebem as mudas também recebem 1 quilo de adubo e folhetos de orientação para o plantio. Os pomares escolares e comunitários têm seu plantio orientado diretamente por técnicos agrícolas da prefeitura, que retornam a cada quinzena para acompanhar o desenvolvimento das mudas. Para as residências, será implantado um sistema de visitas de acompanhamento por amostragem, baseado no cadastramento realizado na entrega das mudas, na próxima etapa do projeto.

As mudas são distribuídas em eventos promovidos pelas administrações regionais. Além destas e da Secretaria de Abastecimento, responsável pela execução do programa, participam também a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) e a Fundação Zoobotânica.

RESULTADOS

Um programa de pomares caseiros traz resultados diretos para a qualidade de vida dos cidadãos beneficiados, oferecendo-lhes a oportunidade de produzir frutas em sua própria casa. Ainda que a iniciativa não seja capaz de, sozinha, eliminar problemas de desnutrição, com certeza é capaz de auxiliar na complementação alimentar e no incentivo ao consumo de frutas.

O custo deste tipo de iniciativa é relativamente baixo, face aos benefícios produzidos. No caso de Belo Horizonte, no primeiro ano de funcionamento, o programa distribuiu quase 12 mil mudas, beneficiando diretamente mais de 11 mil famílias, além de alunos de escolas municipais e freqüentadores de espaços comunitários. Os resultados do programa são obtidos a médio prazo, em períodos superiores a dezoito meses. Entre o plantio e a produção dos primeiros frutos, é preciso realizar ações de reforço junto à população, para garantir a conservação das plantas.

Além dos benefícios do ponto de vista nutricional, a implantação de pomares caseiros e comunitários também traz resultados positivos em termos da arborização, aumentando a cobertura vegetal da área urbana.

Dependendo do formato que se estabeleça para o programa, este pode trazer também resultados políticos, ao favorecer ações conjuntas entre governo e entidades da sociedade, que podem participar da implantação das ações. Também contribui para mudanças na cultura política, com a utilização de um sistema de distribuição das mudas que beneficie indistintamente os cidadãos. Em Belo Horizonte, as principais dificuldades encontradas pelo programa são exatamente as que dizem respeito à permanência de uma postura viciada da população, com muitas pessoas querendo receber mais de uma muda, tomar o lugar de outras na ordem de distribuição ou levar mudas para sítios fora do município.


* Publicado originalmente como DICAS nº 39 em 1995

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